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ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Definição

Define-se o AVE (mudança do termo, porque cerebral se refere a cérebro, que é apenas uma parte do encéfalo. E a doença pode acometer outras estruturas do encéfalo, como diencéfalo, tronco e cerebelo) como um déficit neurológico focal de instalação súbita ou de evolução rápida que pode ocorrer em qualquer local do encéfalo, tendo como principal explicação, uma doença vascular. Tem duração maior que 24hs (ou menor, levando à morte)

Pode ser do tipo isquêmico, causado pela diminuição do fluxo sanguíneo, ou hemorrágico.

Epidemiologia

Considerado a segunda causa de morte no mundo e principal causa de morte e incapacidade no Brasil, ocupando o sexto lugar entre países em número absoluto de mortes relacionadas ao AVC. Estimadas 90 mil mortes por AVC em 2002, superando IAM que causou 60 mil. Em 2009 foram mais de 160 mil internações. Dados americanos dizem que 700 mil pessoas por ano têm um AVC e 160 mil morrem.

Ocorre predominantemente em adultos de meia-idade e idosos. O grupo acima dos 80 anos representa 35% dos óbitos. Dados mostram uma prevalência maior em mulheres (51,8%) tanto da doença quanto de mortes.

São fatores protetores de mortalidade:

? Melhor condição socioeconômica,

? Qualidade da prevenção primária e

? Qualidade dos cuidados hospitalares

Os fatores de risco incluem:

? HAS

? Diabetes

? Fibrilação atrial

? Tabagismo

? Sedentarismo

? Obesidade

O AVC isquêmico é responsável por 80% dos casos e o hemorrágico 20%, mas no Brasil a incidência do hemorrágico é maior pelo fato de haver controle menos rigoroso da PA.

Etiologia/Fisiopatologia

Após agressão isquêmica, ocorrem mudanças estruturais e funcionais nos tecidos nervosos da área acometida. Surgem então duas áreas: uma com danos permanentes e irreparáveis, chamada região de infarto propriamente dito, e outra que possui comprometimento funcional, mas ainda é viável estruturalmente, chamada zona de penumbra isquêmica. ? essa zona de penumbra ainda recebe pequena quantidade de fluxo sanguíneo, que é suficiente para manter temporariamente a viabilidade celular.

Os fatores que definem a área de infarto cerebral são:

? Características da circulação colateral

? Variações do fluxo sanguíneo cerebral

? Oxigenação

? Temperatura corporal

? Equilíbrio hidroeletrolítico e metabólico

 

Mecanismos de Isquemia cerebral: trombose, embolia e diminuição da perfusão cerebral.

Trombose:



A obstrução do fluxo sanguíneo acontece devido a um processo oclusivo em uma ou mais artérias. Essa obstrução pode ser parcial ou total, dependendo do processo patológico que acontece no vaso doente.

A aterosclerose é a principal doença vascular relacionada ao mecanismo de trombose. Ela pode acometer qualquer vaso extra ou intracraniano, mas os mais afetados são o bulbo carotídeo, a artéria carótida ao nível do sifão (intracraniana), a origem das artérias vertebrais e a transição das artérias vertebrais com o terço proximal da artéria basilar.

Outro evento relacionado à aterosclerose é a possibilidade de haver dano á placa aterosclerótica, levando à agregação plaquetária e formação de coagulo que pode se desprender e desencadear um processo embólico (embolia artério-arterial).

A trombose também pode acontecer por formação de um trombo dentro da luz do vaso sem doença prévia no caso de doenças hematológicas, como policitemia, trombocitose e estados de hipercoagulabilidade.

Artérias pequenas são mais comumente lesadas por hipertensão arterial do que aterosclerose, porque a elevação da PA gera uma hipertrofia e deposição de fibrina, reduzindo a luz do vaso.

Os fatores de risco para doença aterosclerótica de grandes vasos são

? HAS

? DM

? Dislipidemia

? Sedentarismo

? Tabagismo

? Obesidade

? Idade avançada

A doença de pequenos vasos tem como principais fatores HAS, DM e idade avançada.

Embolia:

Se refere a processo de oclusão do vaso secundário a acumulo de substâncias formadas proximalmente ? ar, trombo, placa de colesterol, vegetação, gordura, células tumorais.

Além da embolia arterio-arterial, o trombo pode vir do coração (embolia cardiogênica) ou mais raramente de veias profundas.

Embolia cardiogênica pode ocorrer em função de doenças valvulares, trombos intracavitários, arritmias (principalmente fibrilação atrial [FA]), disfunção miocárdica grave e outras.

Diminuição de Perfusão Cerebral:

É secundária a IAM ou hipotensão sistêmica. A diminuição é difusa e mais crítica nas zonas de fronteira vascular.

Quadro clínico

Define-se fase aguda da doença como até 2 dias após o AVE e subaguda até 29 dias depois.

Há déficit neurológico focal de instalação súbita ou rápida progressão (minutos a horas). A apresentação clínica vai depender da área encefálica acometida

A informação mais importante a ser colhida é o horário de início dos sintomas, que pode ser informado pelo paciente ou pelo acompanhante. Se o déficit apareceu ao acordar, informar o horário em que foi dormir ou o último horário que o paciente foi visto sem alterações.

No exame físico deve-se avaliar:

? Estado de hidratação

? Oxigenação

? Frequência, ritmo e ausculta cardíaca

? Frequência respiratória

? Nível de consciência ? deve ser reavaliado periodicamente. Se muito diminuído, sugere infartos hemisféricos extensos ou de tronco encefálico. Nesse caso, realizar intubação orotraqueal.

? PA ? avaliar periodicamente. O manejo se baseia em objetivos diferentes para cada forma de AVE.

? Fundo de olho ? auxilia quadros hemorrágicos. Palidez retiniana pode sugerir isquemia secundária à doença aterosclerótica carotídea.

? Palpação de pulsos carotídeos, temporais e periféricos e ausculta cardíaca ? auxiliam diagnóstico de estenoses arteriais.

AVE Isquêmico:

A identificação dos fatores de risco auxiliam no diagnóstico etiológico. Deve-se questionar

? HAS

? DM

? Dislipidemia

? Cardiopatias

? Tabagismo

? Uso de ACO

? Uso de drogas ? cocaína e anfetaminas

Investigar ainda ocorrência recente de outro AVE, trauma craniano ou cirurgias recentes, sangramentos, doenças hepáticos e renais, uso de anticoagulantes e ocorrência de neoplasias.

Nos casos de trombose, pode ser que a lesão se estabilize ou ocorra progressão e o déficit ir aumentando. No caso das embolias, costuma ser mais abrupta e atingir rapidamente o ápice.

Os dois grandes territórios são:

 

? Território carotídeo (relacionado às artérias carótidas interna, cerebral média e cerebral anterior): podem ocorrer déficit motor, déficit sensitivo, dificuldade na articulação da palavra, déficit de linguagem, outros distúrbios de função nervosa superior e alterações visuais.

? Território vertebrobasilar (relacionado às artérias vertebral,basilar,cerebelares e cerebrais posteriores): podem ocorrer déficit motor, déficit sensitivo, dificuldade na articulação da palavra, alterações visuais, alterações de coordenação e alterações de nervos cranianos localizados no tronco encefálico (diplopia, ptose palpebral, anisocoria, paralisia facial periférica, nistagmo, vertigem, disartria e disfagia).

 

Rebaixamento do nível de consciência pode ocorrer em lesões isquêmicas do tronco encefálico, mesmo que pequenas, por acometimento de núcleos da formação reticular do tronco encefálico que se relacionam ao sistema ativador reticular ascendente (SARA). Já nas lesões isquêmicas dos hemisférios cerebrais, o rebaixamento de nível de consciência costuma ocorrer naquelas de maior extensão. Exceção a isso pode ocorrer em certas lesões talâmicas que, mesmo pequenas, podem determinar rebaixamento do nível de consciência.

 

Diagnóstico

Exames complementares devem ser feitos na chegada do paciente:

? Hemograma

? Glicemia

? Ureia

? Creatinina

? Sódio

? Cálcio

? Potássio

? Exames de coagulação

? ECG

? Rx de Tórax

? TC de crânio ? exame de neuroimagem mais usado. Exame permanece sem alterações nas primeiras 24h em 50% dos casos e sem alteração nas primeiras horas em 30% dos casos

Achados do TC de Crânio:

? Na fase subaguda da doença, as lesões mais comuns relacionadas ao sintoma de disfagia estão localizadas no hemisfério direito.

? Lesões no tronco cerebral afetam gravemente o processo de deglutição, mas são menos comuns

? Em paciente com disfagia orofaríngea, o exame de TC pode estar normal, e o diagnóstico do AVE é feito clinicamente.

? A área afetada é mostrada na TC como hipodensa (isquêmica).

? Considera-se como sinais de alerta para isquemia cerebral: apagamento de sulcos e perda da diferenciação da substância branca/cinzenta.

? Em alguns casos, a TC não mostra alterações na fase aguda da doença, mas é possível identificar uma hiperdensidade proximal na topografia da artéria cerebral média, sugestivo de oclusão arterial. Em 20% dos casos esse sinal é um pseudo-sinal, indicando calcificação do local. O exame indicado para diferenciar uma calcificação de oclusões agudas é a angiotomografia.

Escore ASPECTS

O escore subdivide o território da artéria cerebral media em 10 regiões, avaliadas em 2 cortes de TC de crânio. Ela avalia o risco de transformação hemorrágica. Cada ponto em vermelho marcado como hipodensidade precoce na TC sem contraste diminui 1 ponto no escore.

Uma TC normal tem escore 10. Se o escore for menor que 7 há maior risco de transformação hemorrágica e pior evolução neurológica. Escore igual a 0 indica isquemia difusa em todo o território da ACM.

Conduta e Tratamento

O tratamento do AVE isquêmico engloba tratamento da fase aguda, profilaxia secundária e reabilitação neurológica.

As medidas iniciais visam controlar possíveis fatores agravantes da lesão isquêmica. Essas medidas são a sequência do ABC ? airway, breathing e circulation.

Segue o protocolo de medidas iniciais:

? Manter uma oxigenação adequada para manter saturação > 95%.

? Obter boa perfusão sistêmica. Manter hidratação com solução salina (2 a 3l/ dia), evitando soluções hipotônicas e glicosadas.

? Monitorar PA ? apenas tratar se PA sistólica > 220mmHg e/ou PA diastólica > 120mmHg ou PA média > 130mmHg. O uso de anti-hipertensivos de forma não criteriosa pode levar a uma hipoperfusão cerebral, piorando ainda mais o quadro. Os anti-hipertensivos para uso parenteral são Nitroprussiato de sódio, Metroprolol e Esmolol, procurando diminuir a pressão em 15% nas primeiras 24hs. ? Se o paciente for submetido a tratamento trombolítico, deve-se tratar a PA quando acima dos valores 180/105mmHg.

? Evitar aumento da temperatura corpórea na fase aguda do AVE isquêmico com antitérmicos (dipirona e paracetamol). A hipertermia nessa fase está relacionada a pior prognóstico neurológico.

? Glicemia deve ser controlada para não ultrapassar 200mg/dl. Hipoglicemia também deve ser corrigida.

? Recomendado inicialmente manter jejum de 24hs, pelo risco de broncoaspiração.

 

Após as medidas iniciais, deve-se decidir se o paciente é candidato ao tratamento trombolítico

Critérios de inclusão para o tratamento trombolítico
Idade acima de 18 anos
Diagnóstico clínico de AVC isquêmico
Déficit neurológico de intensidade significativa
TC de crânio sem evidências de sangramento
Até 180 minutos de evolução antes do início da infusão do trombolítico

 

Critérios de exclusão para o tratamento trombolítico endovenoso
Uso de anticoagulantes orais e INR > 1,7
Hepatopatia provável e atividade de protrombina menor que 50%
Uso de heparina nas últimas 48 horas e TTPA prolongado
Contagem de plaquetas < 100.000 /mm3
Quadro clínico de hemorragia subaracnóide, mesmo com TC normal
AVCi ou trauma de crânio nos últimos 3 meses
Cirurgia ou trauma grave, exceto craniano, nos últimos 14 dias
Punção arterial recente (7 dias) em um sítio não compressível
Punção liquórica recente (7 dias)
PA sistólica > 185 mmHg ou PA diastólica > 110 mmHg
Melhora rápida dos sintomas neurológicos
Sinais neurológicos discretos e/ou isolados
História prévia de hemorragia intracraniana
Glicemia < 50 mg/dl ou > 400 mg /dl
Crises convulsivas com déficit neurológico pós-crítico
Sangramento urinário ou gastrointestinal nos últimos 21 dias
Pericardite pós-IAM recente (3 meses)
Presença de malformaçãoes vasculares ou aneurismas

 

Um estudo demonstrou redução absoluta da incapacidade funcional em 11 a 13%, e relativa em torno de 32% com a terapia trombolítica. Não houve diferença na mortalidade. Maior taxa de sangramento se correlacionou com a presença de edema ou efeito de massa na TC de crânio e maior pontuação na escala do NIHSS.

A escala de AVC do NIH (NIHSS) é um instrumento de uso sistemático que permite uma avaliação quantitativa dos déficits neurológicos relacionados com o AVC. Esta escala foi inicialmente desenhada como instrumento de investigação, para medir o estado neurológico inicial nos ensaios clínicos da fase aguda do AVC. Atualmente, a escala é utilizada na fase aguda do AVC como guia terapêutico e na previsão do prognóstico do doente.
A NIHSS pode então ser usada como instrumento de avaliação clínica para documentar o estado neurológico no doente com AVC agudo. Esta escala é válida para prever o tamanho da lesão e a gravidade do AVC. A NIHSS tem revelado valor prognóstico, tanto a curto como a longo prazo, nos doentes com AVC. Adicionalmente, a escala serve para monitorizar o estado do doente.

O trombolítico utilizado é r-TPA (ativador do plasminogênio tecidual ativado), recomendado nas primeiras 3 hs do AVE isquêmico, na dose de 0,9mg/kg (dose máxima 90mg), sendo 10% em bolus e o restante em infusão contínua por 1 hora. ? Se o tempo de evolução for entre 3 e 6 horas, a opção é a trombólise intra-arterial, principalmente em caso de oclusão de grandes artérias. O uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários deve ser evitado nas primeiras 24 horas após a terapia trombolítica. Depois dessas 24hs, o paciente pode se beneficiar com AAS em doses de 160 a 300mg/dia em até 48hs.

Não é recomendado o uso de anticoagulantes na fase aguda do AVE, pelo risco de complicações hemorrágicas. Em alguns casos, a utilização de heparina não-fracionada poderá ser considerada:

? Embolia de origem cardiogênica

? Estados de hipercoagulabilidade

? Dissecção arterial extracraniana

? AVE isquêmico com progressão dos sintomas

? Suspeita de trombose da artéria basilar

? Episódios isquêmicos transitórios de repetição

A decisão de anticoagular deve ser individualizada, pesando a possibilidade de nova isquemia contra a chance de reversão para hemorragia, que é maior quanto mais cedo for instituída e quanto maior for a área de isquemia.

Diagnóstico Diferencial

AIT (ataque isquêmico transitório)

O conceito atual se caracteriza por déficit neurológico focal, encefálico ou retiniano, súbito e reversível, secundário a doença vascular isquêmica, com duração menor que 1 hora e sem evidência de lesão isquêmica nos exames de imagem.

Cerca de 15 a 30% dos pacientes com AVE isquêmico têm um episódio prévio de AIT, muitas vezes em curto intervalo de tempo.


Date: 2016-06-12; view: 102


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