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Agradecimentos especiais a Klaus. 14 page

Ajudou-me, sem nenhum comentário, a colocar minha bagage m para dentro. Em seguida, antes de dizer "o que é isso" ou "que alegria você aparecer"; simplesmente me agarrou e começou a beijar-me, tocar meu corpo, meus seios, meu sexo, como se tivesse esperado por tanto tempo e agora pressentisse que talvez o momento não chegasse nunca.

Tirou meu casaco, meu vestido, deixou- me nua, e foi ali no hall de entrada, sem qualquer ritual ou preparação, sem mesmo tempo para dizer o que seria bom ou ruim, com o vento frio entrando por baixo da fresta da porta, que fizemos amo r pela primeira vez. Eu pensei que talvez fosse melhor dizer que parasse, que procurássemos um lugar mais confortável, que tivéssemos tempo de explorar o imenso mundo de nossa sensualidade, mas ao mesmo tempo eu o queria dentro de mim, porque era o homem que eu nunca possuíra, e nunca mais iria possuir. Por isso eu podia amá- lo com toda a minha energia, ter pelo menos, por uma noite, aquilo que jamais tivera antes, e que possivelmente nunca teria depois.

Deitou-me no chão, entrou em mim antes que eu estivesse completamente molhada, mas a dor não me incomodou - ao contrário, gostei que fosse assim, porque devia entender que eu era sua, e não precisava pedir licença. Não estava ali para ensinar mais nada, ou para mostrar como minha sensibilidade era melhor ou mais intensa que a das outras mulheres, apenas para dizer-lhe que sim, que era bem-vindo, que eu também estava esperando por isso, que me alegrava muito seu total desrespeito às regras que havíamos criado entre nós, e agora exigia que apenas nossos instintos macho e fêmea, nos guiassem. Estávamos na posição mais convencional possível - eu embaixo, de pernas abertas, e ele em cima, entrando e saindo, enquanto eu o olhava, sem vontade de fingir, de gemer, de nada - apenas querendo manter os olhos abertos, para lembrar cada segundo, ver seu rosto se transformando, suas mãos que agarravam meus cabelos, sua boca que me mordia, me beijava. Nada de preliminares, de carícias, de preparações, de sofisticações, apenas ele dentro de mim, e eu em sua alma.

Entrava e saía, aumentava e diminuía o ritmo, parava às vezes para me olhar também, mas não perguntava se eu estava gostando, porque sabiá que esta era a única maneira de nossas almas se comunicarem naquele momento. O ritmo aumentou, e eu sabiá que os onze minutos estavam chegando ao fim, queria que continuassem para sempre, porque era tão bom - ah, meu Deus, como era bom - ser possuída e não possuir! Tudo de olhos bem abertos, e notei que quando já não enxergávamos direito, parecíamos ir para uma dimensão onde eu era a grande mãe, o universo, a mulher amada, a prostituta sagrada dos antigos rituais que ele havia me explicado com um copo de vinho e uma lareira acesa. Vi seu orgasmo chegando, e seus braços seguraram os meus com força. Os movimentos aumentaram de intensidade, e foi então que ele gritou - não gemeu, não mordeu os dentes, mas gritou! Berrou! Urrou como um animal! No fundo da minha cabeça passou rápido o pensamento de que a vizinhança talvez chamasse a polícia, mas isso não tinha importância, e eu senti um incenso prazer, porque era assim desde o início dos tempos, quando o primeiro homem encontrou a primeira mulher e fizeram amor pela primeira vez: eles gritaram.



Depois seu corpo desabou sobre mim, e não sei quanto tempo ficamos abraçados um ao outro, eu acariciei seus cabelos como só havia feito na noite em que nos trancamos no escuro do hotel, vi seu coração disparado ir aos poucos voltando ao normal, suas mãos começaram delicadamente a passear pelos meus braços, e aquilo fez com que todos os cabelos de meu corpo ficassem arrepiados.

Deve ter pensado em algo prático - como o peso de seu corpo em cima do meu ; porque rolou para o lado, segurou minhas mãos, e ficamos os dois olhando o teto e o lustre de três lâmpadas acesas.

- Boa-noite - eu lhe disse.

Ele me puxou, e fez com que apoiasse a cabeça no seu peito. Ficou me acariciando por um longo tempo, antes de dizer "boa-noite" também.

- A vizinhança deve ter escutado tudo - comentei, sem saber como íamos continuar, porque dizer "eu te amo" naquele momento não fazia muito sentido, ele já sabiá, e eu também.

- Está entrando uma corrente de ar frio por baixo da porta - foi sua resposta, quando poderia ter dito "que maravilha!"

- vamos para a cozinha.

Nos levantamos, e vi que ele nem sequer havia tirado a calça, estava vestido como quando o encontrei, apenas com o sexo do lado de fora. Coloquei meu casaco sobre o corpo nu. Fomos para a cozinha, ele preparou um café, fumou dois cigarros, eu fumei um.

Sentados na mesa, ele dizia "obrigado" com os olhos, eu respondia "também quero agradecer", mas nossas bocas se mantinham fechadas.

Finalmente ele tomou coragem e perguntou pelas malas.

- Estou voltando para o Brasil amanhã ao meio-dia.

Uma mulher entende quando um homem é importante para ela. Será que eles também são capazes deste tipo de compreensão? Ou eu teria que dizer "te amo", "gostaria de continuar aqui com você", "peça- me que fique".

- Não vá - sim, ele havia compreendido que podia me dizer isso.

- vou. Fiz uma promessa.

Porque, se não tivesse feito, talvez acreditasse que aquilo tudo ali era para sempre. E

não era, era parte de um sonho de uma moça do interior de um país distante, que vai para a cidade grande (não tão grande assim, para falar a verdade), passa por mil dificuldades, mas encontra o homem que a ama. Então, este era o final feliz para todos os momentos difíceis que passei, e sempre que eu me lembrasse de minha vida na Europa, terminaria com a história de um homem apaixonado por mim, que seria sempre meu, já que eu visitara sua alma.

Ah, Ralf, você não sabe o quanto te amo. Penso que talvez nos apaixonemos sempre no momento em que olhamos o homem de nossos sonhos pela primeira vez, embora a razão naquele momento diga que estamos errados, e passemos a lutar - sem vontade de vencer-contra este instinto. Até que chega o momento em que nos deixamos vencer pela emoção, e isso aconteceu naquela noite, quando eu caminhei descalça pelo parque, sofrendo dor e frio, mas entendendo o quanto você me queria.

Sim, eu te amo muito, como nunca amei outro homem, e justamente por isso vou embora, porque se ficasse o sonho se transformaria em realidade, vontade de possuir, de desejar que sua vida seja minha... enfim, de todas estas coisas que terminam transformando 0 amor em escravidão. Melhor assim: o sonho. Temos que ser cuidadosos com aquilo que levamos de um país - ou da vida.

- você não teve um orgasmo - disse ele, tentando mudar de assunto, ser cuidadoso, não forçar uma situação. Estava com medo de me perder, e pensava que ainda tinha a noite inteira para me fazer mudar de opinião.

- Não tive orgasmo, mas tive um imenso prazer.

- Mas seria melhor se tivesse um orgasmo.

- Eu podia ter fingido, apenas para deixá- lo contente, mas você não merece. Você é um homem, Ralf Hart, em tudo o que esta palavra pode ter de belo e intenso. Soube me apoiar e me ajudar, aceitou que eu o apoiasse e ajudasse, sem que isso significasse humilhação. Sim, eu gostaria de ter tido um orgasmo, mas não tive. Entretanto, adorei o chão frio, o seu corpo quente, a violência consentida com que entrou em mim.

"Hoje eu fui devolver os livros que ainda tinha comigo, e a bibliotecária perguntou se eu conversava com meu parceiro a respeito de sexo. Fiquei com vontade de dizer.- Qual parceiro? Qual tipo de sexo? Mas ela não merecia, foi sempre um anjo comigo.

"Na verdade, tive apenas dois parceiros desde que cheguei em Genève: um que despertou o pior de mim mesma, porque permiti - e até mesmo implorei. O outro, você, que me fez sentir de novo parte do mundo. Eu gostaria de poder ensiná-lo onde tocar meu corpo, qual a intensidade, por quanto tempo, e sei que entenderia isso não como uma recriminação, mas como uma possibilidade de que nossas almas se comunicassem melhor.

A arte do amor é como a sua pintura, requer técnica, paciência, e sobretudo prática entre o casal. Requer ousadia, é preciso ir além daquilo que as pessoas convencionaram chamar de fazer amor'."

Pronto. A professora tinha voltado, e eu não queria aquilo, mas Ralf soube contornar a situação. Em vez de aceitar o que eu dizia, acendeu seu terceiro cigarro em menos de meia hora:

- Em primeiro lugar, você hoje vai passar a noite aqui.

Não era um pedido, era uma ordem.

- Em segundo lugar faremos amor de novo, com menos ansiedade, e mais desejo.

"Finalmente, eu gostaria que você também entendesse melhor os homens."

Entender melhor os homens? Eu passava todas as noites com eles, brancos, negros, asiáticos, judeus, muçulmanos, católicos, budistas. Ralf não sabia disso?

Senti- me mais leve; que bom que a conversa caminhava para uma discussão. Em determinado momento eu chegara a pensar em pedir perdão a Deus e romper com minha promessa. Mas ali estava a realidade de volta, para me dizer que não esquecesse de conservar meu sonho intacto, e não me deixasse cair nas armadilhas do destino.

- Sim, entender melhor os homens - repetiu Ralf, ao ver o meu ar de ironia. - Você fala em expressar sua sexualidade feminina, em me ajudar a navegar por seu corpo, a ter paciência, tempo. Estou de acordo, mas já lhe ocorreu que nós somos diferentes, pelo menos em matéria de tempo? Por que você não reclama com Deus?

"Quando nos encontramos, pedi que me ensinasse sobre sexo, porque meu desejo havia desaparecido. Sabe por quê? Porque depois de certos anos de vida, toda e qualquer relação sexual minha terminava em tédio ou frustração, já que eu entendera que era muito difícil dar às mulheres que amei o mesmo prazer que elas me davam."

Não gostei dèás mulheres que amei", mas fingi indiferença, acendendo um cigarro.

- Eu não tinha coragem de pedira me ensine seu corpo. Mas quando a encontrei; vi sua luz, e a amei imediatamente, pensei que a esta altura da vida lã não tivesse nada a perder se fosse honesto comigo, e com a mulher que queria ter ao meu lado.

Meu cigarro ficou delicioso, e eu gostaria muito que ele me oferecesse um pouco de vinho, mas não queria deixar o assunto morrer.

- Por que os homens, em vez de fazerem isso que você fez comigo, descobrir como me sinto, só ficam pensando em sexo?

- Quem disse que só pensamos em sexo? Ao contrário: passamos anos de nossa vida tentando nos fazer acreditar que o sexo é importante para nós. Aprendemos o amor com prostitutas ou com virgens, contamos nossos casos a todos que queiram escutar, desfilamos com amantes jovens quando já estamos mais velhos, tudo para mostrar aos outros que sim, somos aquilo que as mulheres esperavam que fôssemos.

"Mas quer saber de uma coisa? Não é nada disso. Não entendemos nada. Achamos que sexo e ejaculação são a mesma coisa, e como você acabou de dizer, não são. Não aprendemos porque não temos coragem de dizer à mulher: ensine- me seu corpo. Não aprendemos porque a mulher tampouco tem coragem de dizer: aprenda como sou. Ficamos no primitivo instinto de sobrevivência da espécie, e isso é tudo. Por mais absurdo que pareça, sabe o que é mais importante do que o sexo para um homem?"

Eu pensei que talvez fosse dinheiro ou poder, mas não disse nada.

- Esporte. E sabe por quê? Porque um homem entende o corpo de outro homem. Ali, no esporte, a gente está vendo o diálogo de corpos que se entendem.

- Você está louco.

- Pode ser. Mas fax sentido. você já parou para ver o que os homens com que esteve na cama sentiam?

- Sim, parei: todos estavam inseguros. Sentiam medo.

- Pior que medo. Eram vulneráveis. Não entendiam direito o que estavam fazendo, sabiam apenas o que a comunidade, os amigos, as próprias mulheres diziam que era importante. "Sexo, sexo, sexo", essa é a base da vida, grita a propaganda, as pessoas, os filmes, os livros. Ninguém sabe do que está falando. Sabem já que o instinto é mais forte que todos nós - que aquilo tem que ser jeito. Pronto.

Chega. Eu tentara dar lições de sexo para me proteger, ele fazia o mesmo, e por mais que nossas palavras fossem sábias - já que um sempre queria impressionar 0 outro ; isso era tão estúpido, tão indigno de nossa relação! Eu o puxe i até mim porque - independentemente do que ele tinha para dizer, ou do que eu pensasse a respeito de mim mesma - a vida já me ensinara muita coisa. No início dos tempos, tudo era amor, era entrega. Mas logo em seguida, a serpente aparece para Eva e diz: o que você entregou, você irá perder. Assiras foi comigo - fui expulsa do paraíso ainda na escola, e desde então procurei uma maneira de dizer à serpente que ela estava errada, que viver era mais importante do que guardar para si.

Mas a serpente estava certa, e eu estava errada.

Me ajoelhei, tirei aos poucos suas roupas, e vi que seu sexo estava ali, dormente, sem reagir. Ele parecia não se incomodar com isso, e eu beijei a parte interior de suas pernas, começando dos pés. O sexo começou a reagir lentamente, e eu o toquei, depois o coloquei em minha boca, e - sem pressa, sem que ele interpretasse isso como "vamos, prepare-se para agir!" - beijei-o com o carinho de quem não espera nada, e justamente por isso, consegui tudo. Vi que ficava excitado, e começou a tocar o bico de meus seios, girando-os como naquela noite de total escuridão, me deixando com vontade de tê- lo de novo entre minhas pernas, ou em minha boca, ou como desejasse ou quisesse me possuir.

Ele não retirou meu casaco; fez com que eu me inclinasse de bruços sobre a mesa, com as pernas ainda

apoiadas no chão. Penetrou-me lentamente, desta vez sem ansiedade, sem medo de me perder - porque no fundo também ele já tinha entendido que aquilo era um sonho, e ia permanecer para sempre como um sonho, jamais como realidade.

Ao mesmo tempo em que sentia seu sexo dentro de mim, sentia também sua mão nos seios, nas nádegas, e tocando- me como só uma mulher sabe fazer. Então entendi que éramos feitos um para o outro, porque ele conseguia ser mulher como agora, e eu conseguia ser homem como quando conversamos ou nos iniciamos mutuamente no encontro das duas almas perdidas, dos dois fragmentos que faltavam para completar o universo.

À medida que ele me penetrava e me tocava ao mesmo tempo, senti que não estava fazendo isso apenas a mim, mas a todo o universo. Tínhamos tempo, ternura e conhecimento um do outro. Sim, tinha sido ótimo chegar com duas malas, o desejo de partir, ser imediatamente jogada no chão e penetrada com violência e medo; mas também era bom saber que a noite não acabaria nunca, e agora ali, na mesa da cozinha, o orgasmo não era o fim em si, mas o início deste encontro.

Seu sexo ficou imóvel dentro de mim, enquanto seus dedos moviam-se rapidamente, e eu tive o primeiro, depois o segundo, e o terceiro orgasmo seguidos. Tinha vontade de empurrá-lo, a dor do prazer é tão grande que machuca, mas agüentei firme, aceitei que era assim, que eu podia agüentar mais um orgasmo, ou mais dois, ou mais ...

... e de repente, uma espécie de luz explodiu dentro de mire. Não era mais eu mesma, mas um ser infinitamente superior a tudo que eu conhecia. Quando sua mão me levou ao quarto orgasmo, entrei em um lugar onde tudo parecia em paz, e no meu quinto orgasmo conheci Deus. Então senti que ele recomeçava a mexer o seu sexo dentro do meu, embora sua mão não tivesse parado, e disse "meu Deus", me entreguei a qualquer coisa, o inferno ou o paraíso.

Mas era o paraíso. Eu era a terra, as montanhas, os tigres, os rios que corriam até os lagos, os lagos que se transformavam em mar. Ele se movia cada vez mais rapidamente, e a dor se misturava com prazer, eu podia dizer "não agüento mais", mas não seria justo -

porque a esta altura, eu e ele éramos a mesma pessoa.

Deixei que me penetrasse pelo tempo que fosse necessário, suas unhas agora estavam cravadas nas minhas nádegas, e eu ali de bruços, na mesa da cozinha, pensando que não existia melhor lugar no mundo para fazer amor. De novo o barulho da mesa, a respiração cada vez mais rápida, as unhas machucando, e o meu sexo batendo com força no sexo dele, carne com carne, osso com osso, eu ia de novo para um orgasmo, ele ia também, e nada disso - nada disso era MENTIRA!

- Vamos!

Ele sabia o que estava falando, e eu sabia que era o momento, senti que meu corpo todo se afrouxava, eu deixava de ser eu mesma - já não escutava, via, provava o gosto de nada - apenas sentia.

- Vamos!

E eu fui, junto com ele. Não foram onze minutos, mas uma eternidade, era como se os dois saíssemos do corpo e caminhássemos, em profunda alegria, compreensão e amizade, pelos jardins do paraíso. Eu era mulher e homem, ele era homem e mulher. Não sei quanto tempo durou, mas tudo parecia estar em silêncio, em oração, como se o universo e a vida deixassem de existir e se transformassem em algo sagrado, sem nome, sem tempo.

Mas logo o tempo voltou, eu escutei seus gritos e gritei com ele, os pés da mesa batiam com força no chão, e a nenhum de nós dois ocorreu perguntar ou saber o que o resto do mundo estava pensando.

E ele saiu de mim sem nenhum aviso, e ria, senti meu sexo se contrair, me virei para ele e ria também, nos abraçamos como se fosse a primeira vez que tivéssemos feito amor em nossa vida.

- Abençoe- me - pediu.

Eu o abençoei, sem saber o que estava fazendo. Pedi que fizesse o mesmo, e ele fez, dizendo "abençoada seja esta mulher, que muito amou". Suas palavras eram lindas, tornamos a nos abraçar e ali ficamos, sem entender como onze minutos podem levar um homem e uma mulher a tudo isso.

Nenhum dos dois estava cansado. Fomos até a sala, ele colocou um disco, e fez exatamente o que eu estava esperando: acendeu a lareira e serviu- me vinho.

Em seguida abriu um livro e leu:

"Tempo de nascer, tempo de morrer tempo de plantar, tempo de arrancar a planta tempo de matar, tempo de curar tempo de destruir, tempo de construir tempo de chorar, tempo de rir tempo de gemer, tempo de bailar tempo de atirar pedras, tempo de recolher pedras tempo de abraçar, tempo de separar tempo de buscar, tempo de perder tempo de guardar, tempo de jogar fora tempo de rasgar, tempo de costurar tempo de calar, tempo de falar tempo de amar, tempo de odiar tempo de guerra, tempo de paz."

Aquilo soava como uma despedida. Mas era a mais linda de todas que eu podia experimentar em minha vida.

Eu o abracei, ele me abraçou, deitamos no tapete ao lado da la reira. A sensação de plenitude ainda continuava, como se eu sempre tivesse sido uma mulher sábia, feliz, realizada na vida.

- Como é que você pode se apaixonar por uma prostituta?

- Na época, não entendi. Mas hoje, pensando um pouco, acredito que ao saber que seu corpo jamais seria apenas meu, eu podia me concentrar em conquistar sua alma.

- E o ciúme?

- Não se pode dizer para a primavera: "Tomara que chegue logo e que dure bastante."

Pode-se apenas dizer: "venha, me abençoe com sua esperança, e fique o máximo de tempo que puder."

Palavras soltas ao vento. Mas eu precisava escutar, e ele precisava dizer. Dormi sem saber exatamente quando. Sonhei, não com uma situação ou com uma pessoa, mas com um perfume, que inundava tudo.

Quando Maria abriu os olhos, alguns raios de sol já começavam a entrar pelas persianas abertas.

"Fiz duas vezes amor com ele", pensou, olhando para o homem adormecido ao seu lado. "E, no entanto, parece que sempre estivemos juntos, e que ele sempre conheceu minha vida, minha alma, meu corpo, minha luz, minha dor."

Levantou-se para ir até a cozinha e fazer um café. Foi então que viu as duas malas no corredor e lembrou-se de tudo: da promessa, da oração na igreja, da sua vida, do sonho que insiste em transformar-se em realidade e perder seu encanto, do homem perfeito, do amor em que corpo e alma eram a mesma coisa, e prazer e orgasmo eram coisas diferentes.

Podia ficar; não tinha nada mais a perder na vida, apenas mais uma ilusão. Lembrou-se do poema: tempo de chorar, tempo de rir.

Mas havia outra frase: tempo de abraçar, tempo de separar. Preparou o café, fechou a porta da cozinha, telefonou e chamou um táxi. Reuniu sua força de vontade, que a levara tão longe, a fonte de energia de sua "luz", que lhe dissera a hora exata de partir, que a protegia, que a faria guardar para sempre a lembrança daquela noite. Vestiu-se, pegou as malas e saiu, torcendo para que ele acordasse antes e lhe pedisse que ficasse.

Mas ele não acordou. Enquanto esperava o táxi, do lado de fora, uma cigana passou, com um buquê de flores.

- Quer comprar uma?

Maria comprou; era o sinal de que o outono havia chegado, o verão ficava para trás.

Genève já não teria, por muito tempo, as mesas nas calçadas e os parques cheios de gente passeando e banhando-se de sol. Não fazia mal; estava indo embora porque essa era a sua escolha, e não havia o que lamentar.

Chegou ao aeroporto, tomou outro café, ficou quatro horas esperando o vôo para Paris, sempre pensando que ele iria entrar a qualquer momento, já que, em algum momento antes de dormir, dissera a hora de sua partida. Assim acontecia nos filmes: no momento final, quando a mulher está quase entrando no avião, o homem aparece desesperado, a agarra, dá- lhe um beijo, e a traz de volta para o seu mundo, sob o olhar risonho e complacente dos funcionários da companhia aérea. Entra o letreiro "Fim", e todos os espectadores sabem que, a partir dali, viverão felizes para sempre

"Os filmes nunca contam o que acontece depois", dizia a si mesma, tentando se consolar. Casamento, cozinha, filhos, um sexo cada vez mais inconstante, a descoberta do primeiro bilhete da amante, decidir fazer um escândalo, escutar promessas de que isso não se repetirá de novo, o segundo bilhete de uma outra amante, outro escândalo e a ameaça de separar, desta vez o homem não reage com tanta segurança, apenas diz que a ama. O

terceiro bilhete, da terceira amante, e então escolher o silêncio, fingindo que não sabe, porque pode ser que ele diga que não a ama mais, que é livre para partir.

Não, os filmes não contam isso. Acabam antes que o verdadeiro mundo comece.

Melhor não ficar pensando.

Leu uma, duas, três revistas. Finalmente chamaram seu vôo, depois de quase uma eternidade naquele saguão de aeroporto, e embarcou. Ainda imaginou a famosa cena em que, assim que aperta os cintos, sente-se a mão no ombro, olha para trás, e ali está ele, sorrindo.

E nada aconteceu.

Dormiu durante o curto trecho que separava Genève de Paris. Não teve tempo de pensar no que diria em casa, que história contaria - mas com toda certeza seus pais ficariam contentes, sabendo que tinham uma filha de volta, uma fazenda, e uma velhice confortável.

Acordou com o solavanco da aterrissagem. O avião taxiou por muito tempo, a aeromoça veio dizer que ela precisava trocar de terminal, pois o vôo para o Brasil sairia do terminal F e ela estava no terminal C. Mas que não se preocupasse, não havia atrasos, ainda tinha muito tempo, e se tivesse alguma dúvida o pessoal de terra poderia ajudá- la a encontrar seu caminho.

Enquanto o aparelho se aproximava do local do desembarque, pensou se valia a pena passar um dia naquela cidade, apenas para tirar umas fotos e contar aos outros que conhecera Paris. Precisava de tempo para pensar, estar sozinha consigo mesma, esconder bem fundo as lembranças da noite anterior, de modo que pudesse usá- las sempre que precisasse se sentir viva. Sim, Paris era uma excelente idéia; perguntou à aeromoça quando sairia o próximo vôo para o Brasil, se resolvesse não embarcar naquele dia.

A aeromoça pediu seu bilhete, lamentou muito, mas era uma tarifa que não permitia este tipo de escalas. Maria consolou a si mesma, pensando que ver uma cidade tão linda sozinha iria deixá-la deprimida. Estava conseguindo manter o sangue- frio, a força de vontade, não ia estragar tudo com uma bela paisagem e as saudades de alguém.

Desembarcou, passou pelos controles de polícia; sua bagagem iria diretamente para o outro avião, não havia com que se preocupar. As portas se abriram, os passageiros saíam e se abraçavam com alguém que os esperava, a mulher, a mãe, os filhos. Maria fingiu que nada daquilo era com ela, ao mesmo tempo que pensava de novo em sua solidão; só que desta vez tinha um segredo, um sonho, não era tão amarga, e a vida seria mais fácil.

- Sempre haverá Paris.

Não era um guia turístico. Não era um motorista de táxi. Suas pernas tremeram quando escutou a voz.

- Sempre haverá Paris?

- É a frase de um filme que adoro. Gostaria de ver a Torre Eiffel?

Gostaria, sim. Gostaria muito. Ralf tinha um buquê de rosas, e os olhos cheios de luz, a luz que ela vira no primeiro dia, quando a pintava enquanto o vento frio fazia com que se sentisse incomodada por estar ali.

- Como você chegou aqui antes de mim? - perguntou apenas para disfarçar a surpresa, a resposta não tinha o menor interesse, mas precisava de algum tempo para respirar.

- Vi você lendo uma revista. Podia ter chegado perto, mas sou romântico, incuravelmente romântico, e achei que seria melhor tomar a primeira ponte-aérea para Paris, passear um pouco pelo aeroporto, esperar três horas, consultar um semnúmero de vezes os horários dos vôos, comprar suas flores, dizer a frase que Ricky diz para sua amada em Casablanca, e imaginar sua cara de surpresa. E ter certeza de que isso é o que você queria, que me esperava, que toda a determinação e vontade do mundo não bastam para impedir que o amor mude as regras do jogo de uma hora para outra. Não custa nada ser romântico como nos filmes, você não acha?

Não sabia se custava ou não, mas o preço agora era o que menos lhe importava -

mesmo sabendo que acabara de conhecer aquele homem, tinham feito amor pela primeira vez havia poucas horas, fora apresentada aos seus amigos na véspera, sabia que ele já havia freqüentado a boate onde trabalhava, e que fora casado duas vezes. Não eram credenciais impecáveis. Por outro lado, ela tinha dinheiro para comprar uma fazenda, a juventude pela frente, uma grande experiência de vida, uma grande independência de alma. Mesmo assim, como sempre o destino escolhia por ela, achou que mais uma vez podia correr o risco.


Date: 2015-12-17; view: 804


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