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Agradecimentos especiais a Klaus. 13 page

- Hoje em dia estão fabricando de novo, virou uma espécie de moda entre pessoas que procuram prazeres especiais. Mas este que você viu aí só pode ser encontrado em raras coleções médicas, museus ou antiquários.

Milan e Maria ficaram parados, sem saber o que dizer.

- Você já tinha visto isso?

- Deste tipo, não. Deve realmente custar uma pequena fortuna, mas este homem é um alto executivo de uma companhia petrolífera. Já vi outros, modernos.

- E o que fazem?

- Enfiam no corpo... e pedem que a mulher gire a manivela. Levam o choque lá dentro.

- Não podiam fazer isso sozinhos?

- Qualquer coisa em sexo você pode fazer sozinho. Mas é melhor que continuem achando que tem mais graça quando estão com outra pessoa, ou meu bar iria à falência e você teria que trabalhar em uma loja de verduras. Por falar nisso, o seu cliente especial disse que virá hoje à noite. Por favor, recuse qualquer convite.

- Recusarei. Inclusive o dele. Porque vim apenas despedirme, estou indo embora.

Milan pareceu não acusar o golpe.

- O pintor?

- Não. O Copacabana. Existe um limite, e cheguei a ele esta manhã, enquanto olhava aquele relógio de flores perto do lago.

- Qual é o limite?

- O preço de uma fazenda no interior do Brasil. Sei que posso ganhar mais, trabalhar mais um ano, que diferença faria, não é verdade?

"Pois eu sei a diferença: estaria para sempre nesta armadilha, como você está, e estão os clientes, os executivos, os comissários de bordo, os caçadores de talento, os executivos de companhias de discos, os muitos homens que conheci, a quem vendi meu tempo, e que não podem me vendê- lo de volta. Se eu ficar mais um dia, fico mais um ano, e se ficar mais um ano, não sairei nunca."

Milan fez um discreto sinal afirmativo, como se entendesse e concordasse com tudo, embora não pudesse dizer nada - porque podia contagiar todas as meninas que trabalhava m para ele. Mas era um homem bom, e embora não tivesse dado sua bênção, tampouco fez menção de tentar convencer a brasileira de

Do diário de Maria, ao voltar para casa:

Não me lembro mais quando foi, mas em um domingo desses, resolvi entrar numa igreja para assistir à missa. Depois de muito tempo esperando, foi que me dei conta de que estava no lugar errado - era um templo protestante.

Ia sair, mas o pastor começou o sermão, achei que seria indelicado levantar- me - e isso foi uma bênção, porque naquele dia escutei coisas que precisava muito ouvir.

O pastor disse algo como:

"Em todas as línguas do mundo existe um mesmo ditado: o que os olhos não vêem, o coração não sente. Pois eu afirmo que não há nada mais falso do que isso; quanto mais longe, mais perto do coração estão os sentimentos que procuramos sufocar e esquecer. Se esta era uma estrangeira em uma terra estrangeira, e agradeci por ter me lembrado de que o que os olhos não vêem, o coração sente. E por ter sentido tanto, hoje vou embora.



Pegou as duas ma las e colocou-as em cima da cama; sempre estiveram ali, esperando o dia em que tudo chegaria ao final. Imaginava que iria enchê - las de muitos presentes, vestidos novos, fotos na neve e nas grandes capitais européias, lembranças de um tempo feliz em que havia conhecido o país mais seguro e mais generoso do mundo. Tinha alguns vestidos novos, era verdade, e algumas fotos na neve que um dia caíra em Genève mas, afora isso, nada mais seria como havia imaginado.

Chegara com o sonho de ganhar muito dinheiro, aprender sobre a vida e sobre quem era, comprar uma fazenda para os pais, encontrar um marido, e trazer a família para conhecer onde morava. Voltava com o dinheiro exato para realizar um sonho, sem ter visitado as montanhas, e - o que era pior - uma estranha para si mesma. Mas estava contente, sabia que era chegado o momento de parar.

 

Pouca gente no mundo reconhece esse momento.

 

Vivera apenas quatro aventuras - ser dançarina em um cabaré, aprender francês, trabalhar como prostituta e amar perdidamente um home m. Quantas pessoas podem vangloriar-se de tanta emoção em um ano? Estava feliz, apesar da tristeza, e aquela tristeza tinha um nome, não se chamava prostituição, nem Suíça, nem dinheiro, mas Ralf Hart.

Embora jamais tenha reconhecido, no fundo do coração gostaria de ter se casado com ele, o homem que agora a esperava em uma igreja, pronto para levá-la a conhecer seus amigos, sua pintura, seu mundo.

 

Pensou em faltar ao encontro, hospedar-se em um hotel perto do aeroporto, já que o vôo saía na manhã seguinte; a partir de agora, cada minuto passado ao seu lado seria um ano de sofrimento no futuro, por tudo aquilo que ela poderia ter dito e não diria, pelas lembranças da sua mão, de sua voz, de seu apoio, de suas histórias.

Abriu de novo a mala, retirou o pequeno vagão do trem elétrico que ele lhe dera na primeira noite em seu apartamento. Contemplou-o por alguns minutos e jogou-o no lixo; aquele trem não merecia conhecer o Brasil, tinha sido inútil e injusto para com a criança que sempre o desejara.

Não, não ir ia à igreja; talvez ele lhe perguntasse algo, e se respondesse a verdade -

"estou indo embora" - ele iria pedir que ficasse, prometeria tudo para não perdê- la naquele momento, declararia seu amor já demonstrado em todo o tempo que passaram juntos. Mas tinham aprendido a conviver em liberdade, e nenhuma outra relação iria dar certo - talvez esta fosse a única razão pela qual ambos se amavam, porque sabiam que um não precisava do outro. Os homens sempre se assustam quando uma mulher diz "eu quero depender de você", e Maria gostaria de levar consigo a imagem de um Ralf Hart apaixonado, entregue, pronto a qualquer coisa por ela.

Ainda tinha tempo de decidir se ia ou não ao encontro; no momento precisava concentrar-se em coisas mais práticas. Viu quantas coisas tinha deixado fora das malas, sem saber onde colocá-las. Resolveu que o dono do imóvel tomaria a decisão, quando entrasse no apartamento e encontrasse os eletrodomésticos na cozinha, os quadros comprados em um mercado de segunda mão, as toalhas e as roupas de cama. Não poderia levar nada disso para o Brasil, mesmo que seus pais necessitassem mais do que qualquer mendigo suíço; elas sempre iriam lembrá-la de tudo a que se aventurou.

 

Saiu, foi até o banco e pediu para retirar todo o dinheiro que tinha ali depositado. O

gerente - que já freqüentara sua cama disse que era uma má idéia, aqueles francos poderiam continuar rendendo, e ela receberia os juros no Brasil. Além do mais, caso fosse roubada, seriam muitos meses de trabalho perdido. Maria hesitou por um momento, achando - como sempre achava - que estavam querendo ajudá- la de verdade. Mas, depois de refletir um pouco, concluiu que o objetivo daquele dinheiro não era transformar-se em mais papel, mas em uma fazenda, uma casa para seus pais, algumas cabeças de gado e muito mais trabalho.

Retirou cada centavo, colocou em uma pequena bolsa que comprara especialmente para a ocasião, e amarrou-a na cintura, por baixo da roupa.

Foi até a agência de viagens, rezando para que tivesse coragem de ir adiante; quando quis mudar a passagem, lhe disseram que o vôo do dia seguinte tinha uma escala em Paris, para troca de avião. Não tinha importância - o que precisava era estar longe dali antes que pudesse pensar duas vezes.

Caminhou até uma das pontes, comprou um sorvete embora já começasse a esfriar de novo - e olhou Genève. Então tudo lhe pareceu diferente, como se tivesse acabado de chegar e precisasse ir aos museus, aos monumentos históricos, aos bares e restaurantes da moda. Engraçado que, quando se mora em uma cidade, se mpre se deixa para conhecê-la depois - e geralmente acabamos não a conhecendo nunca.

Pensou em ficar contente porque estava voltando a sua terra, mas não conseguiu.

Pensou em ficar triste por estar deixando uma cidade que a tratara tão bem, e tampouco conseguiu. A única coisa que pôde fazer foi derramar algumas lágrimas, com medo de si mesma, uma moça inteligente, que tinha tudo para ser bem-sucedida, mas que geralmente tomava decisões erradas.

Torceu para que desta vez estivesse certa.

A igreja estava completamente vazia quando entrou, e ela pôde contemplar em silêncio os lindos vitrais, iluminados pela luz exterior, a luz de um dia lavado pela tempestade da noite anterior. Diante dela, um altar com uma cruz vazia; não estava diante de um instrumento de tortura, com um homem ensangüentado à beira da morte - mas de um símbolo de ressurreição, onde o instrumento de suplício perdia todo o seu significado, seu terror, sua importância.

Ficou também contente porque não viu imagens de santos sofrendo, com marcas de sangue e feridas abertas - ali era apenas um lugar onde os homens se reuniam para adorar algo que não podiam compreender.

Parou diante do sacrário, onde estava guardado o corpo de um Jesus em que ela ainda acreditava, embora havia muito tempo não pensasse nele. Ajoelhou-se e prometeu a Deus, à Virgem, a Jesus, e a todos os santos, que acontecesse o que acontecesse durante aquele dia, ela jamais mudaria de idéia, e iria embora de qualquer maneira. Fez esta promessa porque conhecia bem as armadilhas do amor e de como são capazes de transformar a vontade de uma mulher.

Pouco depois ela sentiu a mão que a tocava no ombro, e inclinou seu rosto para que tocasse a mão.

Saíram de mãos dadas, como se fossem dois namorados que haviam se encontrado depois de muito tempo. Beijaram-se em público, algumas pessoas olharam escandalizadas, ambos sorriam pelo mal-estar que estavam causando, e pelos desejos que despertavam com o escândalo - porque sabiam que, na verdade, eles queriam estar fazendo a mesma coisa. O

escândalo era só isso.

Entraram em um café igual a todos os outros, mas que naquela tarde era diferente, porque os dois estavam ali, e se amavam. Conversaram sobre Genève, as dificuldades da língua francesa, os vitrais da igreja, os males do cigarro - já que ambos fumavam e não tinham a menor intenção de abandonar o vício.

Ela fez questão de pagar o café, e ele aceitou. Foram à exposição, ela conheceu seu mundo, os artistas, os ricos que pareciam mais ricos ainda, os milionários que pareciam pobres, as pessoas que perguntavam coisas sobre as quais jamais tinha ouvido falar. Todos gostaram dela, elogiaram sua maneira de falar francês, perguntaram sobre o carnaval, o futebol, a música de seu país. Educados, gentis, simpáticos, envolventes.

Quando saíram, ele disse que iria à boate naquela noite, encontrá-la. Ela pediu que não fizesse isso, tinha a noite livre, gostaria de convidá-lo para jantar.

Ele aceitou, despediram-se, marcaram de encontrar-se na casa dele para jantar em um restaurante simpático na pequena praça de Cologny, onde sempre passavam de táxi, e ela jamais pedira que parassem para conhecer o lugar.

Então Maria lembrou-se da única amiga, e resolveu ir até a biblioteca para dizer que não voltaria mais.

Ficou presa no trânsito por um tempo que parecia uma eternidade, até que os curdos terminassem de se manifestar (de novo!) e os carros pudessem voltar a circular normalmente. Mas agora era de novo dona do seu tempo, isso não tinha importância.

 

Chegou quando a biblioteca estava quase fechando.

- Pode ser que eu esteja querendo ser íntima demais, mas não tenho nenhuma amiga a quem confiar certas coisas - disse a bibliotecária, assim que Maria entrou.

Aquela mulher não tinha amiga? Depois de viver sua vida inteira no mesmo lugar, encontrar várias pessoas durante o dia, será que não tinha ninguém com quem conversar?

Enfim, descobria alguém como ela - ou melhor dizendo, alguém como todo mundo.

viver na ignorância, achando que um marido fiel, um apartamento com vista para o lago, três filhos e um emprego público era tudo que uma mulher podia sonhar. Agora, desde que você chegou aqui, e desde que li o primeiro livro, ando muito preocupada com aquilo em que transformei minha vida. Será que todo mundo é assim?

- Posso lhe garantir que é - e Maria sentiu-se uma jovem sábia diante daquela mulher que lhe pedia conselhos.

- Gostaria que eu entrasse em detalhes?

Maria acenou positivamente com a cabeça.

- É claro que você ainda é muito jovem para compreender essas coisas, mas justamente por isso gostaria de compartilhar um pouco da minha vida, para que não cometa os mesmos erros que cometi.

 

"Mas o clitóris, por que será que meu marido nunca prestou atenção a isso? Achava que o orgasmo é na vagina, e me custava muito, mas muito mesmo, fingir algo que ele imaginava que eu deveria estar sentindo. Claro, eu tinha prazer, mas um prazer diferente.

Apenas quando a fricção era na parte superior... você está entendendo?"

 

- Estou entendendo.

 

- E agora descobri por quê. Está ali - ela apontou para um livro na sua mesa, cujo título Maria não conseguia ver. - Existe um feixe de nervos que vai do clitóris ao ponto G, e que é predominante. Mas os homens pensam que não, que penetrar é tudo. Você sabe o que é o ponto G?

 

- Conversamos sobre isso outro dia - disse Maria, desta vez como a Menina Ingênua. -

Logo depois de entrar, primeiro andar, janela dos fundos.

 

- Claro, claro! - os olhos da bibliotecária se iluminaram. Verifique por você mesma quantos de seus amigos já ouviram falar disso: nenhum ouviu! Que absurdo! Mas assim como o clitóris foi uma invenção do tal italiano, o ponto G é uma conquista do nosso século! Em breve ocupará todas as manchetes, e ninguém mais poderá ignorá- lo! Pode imaginar que momento revolucionário estamos vivendo?

Maria olhou para o relógio, e Heidi se deu conta de que precisava falar rápido, ensinar àquela menina bonita à sua frente que as mulheres tinham todo direito de serem felizes, realizadas, para que uma próxima geração pudesse se beneficiar de todas estas conquistas científicas extraordinárias.

- O Dr. Freud não estava de acordo porque não era mulher, e como tinha seu orgasmo no pênis, achava que éramos obrigadas a ter o prazer na vagina. Temos que voltar à origem, aquilo que sempre nos deu prazer: o clitóris e o ponto G! Muito poucas mulheres conseguem ter uma relação sexual satisfatória, de modo que, se você tiver dificuldades em conseguir a alegria que merece, vou lhe sugerir algo: inverta a posição. Deite o seu namorado, e fique sempre por cima; o seu clitóris vai bater com mais força no corpo dele, e você, não ele, estará conseguindo o estímulo de que precisa. Melhor dizendo, o estímulo que merece!

Maria, no entanto, estava apenas fingindo que não prestava atenção na conversa.

Então não era apenas ela! Não tinha nenhum problema sexual, era tudo uma questão de ana tomia! Sentiu vontade de beijar a mulher à sua frente, enquanto um peso imenso, gigantesco, saía do seu coração. Que bom ter descoberto isso ainda jovem! Que dia magnífico estava vivendo!

Heidi deu um sorriso conspirador.

- Eles não sabem, mas a gente tamb ém tem uma ereção! O clitóris fica ereto!

"Eles" deviam ser os homens. Maria tomou coragem, já que a conversa estava tão íntima.

- Você já teve alguém fora do casamento?

A bibliotecária levou um choque. Os olhos emitiram uma espécie de fogo sagrado, a pele ficou vermelha, não podia dizer se de raiva ou de vergonha. Depois de algum tempo, porém, a luta entre contar ou fingir terminou. Bastava mudar de assunto.

- Voltemos à nossa ereção: o clitóris! Ele fica rígido, você sabia?

- Desde criança.

Heidi parecia desapontada. Talvez não tivesse prestado muita atenção naquilo.

- E parece que, se você circular o dedo em torno, sem mesmo tocar sua ponta, o prazer pode surgir de maneira mais intensa ainda. Aprenda isso! Os homens que respeitam o corpo de uma mulher vão logo tocando no topo do clitóris, sem saber que isso às vezes pode ser doloroso, você não concorda? Por isso, depois do primeiro ou segundo encontro, logo assuma o controle da situação: fique por cima, decida como e onde a pressão deve ser aplicada, aumente e diminua o ritmo a seu critério. Além disso, uma conversa franca é sempre necessária, segundo o livro que estou lendo.

- A senhora teve uma conversa franca com o seu marido?

Mais uma vez Heidi fugiu da pergunta direta, dizendo que eram outros tempos. Agora estava mais interessada em compartilhar suas experiências intelectuais.

- Procure ver seu clitóris como um ponteiro de relógio, e peça ao seu companheiro para movê - lo entre 11 e 1 hora, está compreendendo?

Sim, sabia do que a mulher estava falando e não concordava muito, embora o livro tampouco estivesse longe da verdade total. Mas assim que ela falou em relógio, Maria olhou o seu, disse que tinha vindo apenas se despedir, pois seu estágio havia terminado. A mulher pareceu não escutá- la.

- Não quer levar este livro sobre o clitóris?

- Não, obrigada. Tenho que pensar em outras coisas.

- E não vai levar nada novo?

- Não. Estou voltando para o meu país, mas queria agradecer por sempre ter me tratado com respeito e compreensão. Até qualquer dia.

Apertaram-se as mãos e se desejaram mutuamente felicidade.

Heidi esperou que a moça saísse, antes de perder o controle e dar um soco na mesa.

Por que não havia aproveitado 0 momento para dividir algo que, do jeito que as coisas iam, terminaria morrendo com ela? Já que a moça tivera coragem de perguntar se algum dia traíra seu marido, por que não responder, agora que estava descobrindo um mundo novo, onde finalmente as mulheres aceitavam que era muito difícil um orgasmo vaginal?

"Bem, isso não é importante. O mundo não é apenas sexo."

Não era a coisa mais importante do mundo, mas era importante, sim. Olhou a sua volta; a grande parte daqueles milhares de livros que a cercavam contava uma história de amor. Sempre a mesma história - alguém que se apaixona, encontra, perde, e volta a encontrar de novo. Almas que se comunicam, lugares distantes, aventura, sofrimento, preocupações, e raramente alguém dizendo "olhe, meu caro senhor, entenda melhor o corpo da mulher". Por que os livros não falavam abertamente disso?

Talvez ninguém estivesse realmente interessado. Porque, para o homem, ele continuaria a buscar a novidade - ainda era o troglodita caçador, que seguia o instinto de reprodutor da raça humana. E para a mulher? Por sua experiência pessoal, a vontade de ter um bom orgasmo com seu companheiro durava apenas os primeiros anos; depois a freqüência diminuía, e nenhuma mulher falava disso, porque achava que era apenas com ela. E mentiam, fingindo que não agüentavam mais o desejo do marido, que pedia para fazer amor todas as no ites. E, ao mentirem, deixavam todas as outras preocupadas.

Logo se dedicavam a pensar em algo diferente: filhos, cozinha, horários, manutenção da casa, contas a pagar, tolerância com as escapadas do marido, viagens nas férias durante as quais ficavam mais preocupadas com os filhos do que consigo mesmas, cumplicidade -

ou até mesmo amor, mas nada de sexo.

Devia ter sido mais aberta com a jovem brasileira, que lhe parecia uma moça inocente, com idade para ser sua filha, e ainda incapaz de compreender o mundo direito.

Uma imigrante, vivendo longe da sua terra, dando duro em um trabalho sem graça, esperando um homem com quem pudesse casar, fingir alguns orgasmos, encontrar a segurança, reproduzir esta misteriosa raça humana, e logo esquecer estas coisas chamadas orgasmo, clitóris, ponto G (descoberto apenas no século XX!!!). Ser uma boa esposa, uma boa mãe, cuidar para que nada faltasse em casa, masturbar-se escondido de vez em quando, pensando no homem que cruzara com ela na rua e a olhara com desejo. Manter as aparências - por que será que o mundo estava tão preocupado com as aparências?

Por isso não respondera à pergunta:

"Você já teve alguém fora do casamento?"

Estas coisas morrem com a gente, pensou. Seu marido sempre fora o homem de sua vida, embora o sexo fosse coisa do passado remoto. Era um excelente companheiro, honesto, generoso, bem- humorado, lutava para sustentar a família, e procurava deixar felizes todos aqueles que estavam sob sua responsabilidade. O homem ideal, com que todas as mulheres sonham, e justamente por isso sentia-se tão mal em pensar que um dia desejara

- e estivera - com outro homem.

Lembrava -se de como o havia encontrado. Estava voltando da cidadezinha de Davos, nas montanhas, quando uma avalanche de neve interrompeu por algumas horas a circulação dos trens. Telefonou, para que ninguém ficasse preocupado; comprou algumas revistas e preparou-se para uma longa espera na estação.

Foi quando viu um homem ao seu lado, com uma mochila e um saco de dormir. Tinha os cabelos grisalhos, a pele queimada de sol, era o único que parecia não estar preocupado com a ausência do trem; muito pelo contrário, sorria e olhava em volta, procurando alguém para conversar. Heidi abriu uma das revistas mas - ah, vida misteriosa! -seus olhos cruzaram rapidamente com os dele, e não conseguiu desviar rápido o bastante para evitar que se aproximasse.

Antes que ela pudesse - educadamente - dizer que realmente precisava terminar um artigo importante, ele começou a falar. Disse que era um escritor, estava voltando de um encontro na cidade, e que o atraso dos trens faria com que perdesse o vôo de volta para o seu país. Quando chegassem a Genève, podia ajudá- lo a encontrar um hotel?

Heidi o olhava: como é que alguém podia estar tão bemhumorado depois de perder um vôo e ter que ficar esperando numa desconfortável estação de trem até que as coisas se resolvessem?

Mas o homem começou a conversar como se fossem velhos amigos. Contou sobre suas viagens, sobre o mistério da criação literária e, para seu espanto e horror, sobre todas as mulheres que havia amado e encontrado ao longo de sua vida. Heidi apenas fazia que

"sim" com a cabeça, e ele continuava. Vez por outra, pedia desculpas por estar falando muito e lhe pedia que contasse um pouco de si mesma, mas tudo que ela tinha para dizer era "sou uma pessoa comum, sem nada de extraordinário".

De repente, ela viu-se torcendo para que o trem não chegasse nunca, aquela conversa era muito envolvente, estava descobrindo coisas que só haviam entrado em seu mundo através dos romances de ficção. E como jamais tornaria a vê-lo, tomou coragem (mais tarde não saberia explicar por quê) e começou a perguntar sobre temas que lhe interessavam.

Vivia um momento difícil em seu casamento, o marido reclamava muito a sua presença, e Heidi quis saber o que podia fazer para deixá- lo feliz. O homem deu algumas explicações interessantes, contou uma história, mas não parecia muito contente em ter que falar do marido.

"Você é uma mulher muito interessante", disse, usando uma frase que fazia muitos anos ela não escutava.

Heidi não soube como reagir, ele percebeu seu embaraço, e logo começou a falar sobre desertos, montanhas, cidades perdidas, e mulheres cobertas com véu, ou de cintura desnuda, guerreiros, piratas e sábios.

O trem chegou. Sentaram-se lado a lado, e agora ela já não era mais a mulher casada, com um chalé em frente ao lago, três filhos para criar, mas uma aventureira, que estava chegando a Genève pela primeira vez. Olhava as montanhas, o rio, e sentiase contente de estar ao lado de um homem que a queria levar para a cama (porque os homens só pensam nisso), que estava fazendo o possível para impressioná-la. Pensou em quantos outros homens tinham sentido a mesma coisa, sem que jamais lhes desse qualquer oportunidade -

mas naquela manhã o mundo havia mudado, era uma adolescente de trinta e oito anos, assistindo deslumbrada às tentativas de sedução; era a melhor coisa do mundo.

No outono prematuro da sua vida, quando pensava que já tinha tudo que podia esperar, aparecia aquele homem na estação de trem e entrava sem pedir licença.

Desembarcaram em Genève, ela indicou um hotel (modesto, ele insistira, porque devia partir naquela manhã e não estava prevenido para um dia a mais na caríssima Suíça), ele pediu que fosse até o quarto com ele, para ver se estava tudo em ordem. Heidi sabia o que a aguardava, e mesmo assim aceitou a proposta. Fecharam a porta, beijaram-se com violência e desejo, ele arrancou suas roupas, e meu Deus! - conhecia o corpo de uma mulher, porque conhecera o sofrimento ou a frustração de muitas.

Fizeram amor a tarde inteira, e só quando a noite começou a chegar foi que o encanto se dissipou, e ela falou a frase que jamais gostaria de ter pronunciado:

"Preciso voltar, meu marido está me esperando."

Ele acendeu um cigarro, ficaram em silêncio por alguns minutos, e nenhum dos dois disse "adeus". Heidi levantou-se e saiu sem olhar para trás, sabendo que, não importa o que dissessem, nenhuma palavra ou frase teria sentido.

Nunca mais tornaria a vê - lo, mas, no outono de sua desesperança, por algumas horas, tinha deixado de ser esposa fiel, dona de casa, mãe amorosa, funcionária exemplar, amiga constante e voltado a ser simplesmente mulher.

Durante alguns dias o marido comentava que ela tinha mudado, estava mais alegre ou mais triste - ele não sabia exatamente descrever. Uma semana depois, as coisas tinham voltado ao normal.

"Que pena que não contei isso para a menina", pensou. "De qualquer maneira, ela não entenderia nada, ainda vive num mundo onde as pessoas são fiéis e as juras de amor são eternas."

 

Do diário de Maria:

Não sei o que ele deve ter pensado quando abriu a porta, naquela noite, e me viu com duas malas.

- Não se assuste - comentei logo. - Não estou me mudando para cá. Vamos jantar.


Date: 2015-12-17; view: 806


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