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Agradecimentos especiais a Klaus. 5 page

 

Mesmo pensando que o amor era algo tão importante, Maria não se esqueceu do conselho que recebera na primeira noite, e procurou vivê-lo apenas nas páginas do seu diário. De resto, procurava desesperadamente um meio de ser a melhor, conseguir muito dinheiro em pouco tempo, e encontrar uma boa razão para fazer aquilo que fazia.

Essa era a parte mais difícil: qual seria a verdadeira razão?

Fazia aquilo porque precisava. Não era bem assim - todo mundo sempre precisa ganhar dinheiro, e nem todos escolhem viver completamente à margem da sociedade. Fazia porque estava querendo ter uma experiência nova. Será? A cidade estava cheia de experiências novas - como esquiar ou andar de barco no lago, por exemp lo, e ela jamais tivera qualquer curiosidade a respeito. Fazia porque já não tinha mais nada a perder, sua vida era uma frustração diária e constante.

Não, nenhuma das respostas era verdadeira, melhor esquecer o assunto e simplesmente continuar vivendo o que estava em seu caminho. Tinha muita coisa em comum com as outras prostitutas, e com as outras mulheres que conhecera em sua vida: casar e ter uma vida segura era o maior de todos os sonhos. As que não pensavam nisso ou tinham marido (quase a terça parte de suas companheiras era casada), ou vinham de uma experiência recente de divórcio. Por causa disso, para entender a si mesma ela tentou -com todo o cuidado -entender por que suas companheiras tinham escolhido aquela profissão.

Não ouviu nenhuma novidade, e fez uma lista das respostas:

a) diziam que precisavam ajudar o marido em casa (e os ciúmes? E se aparecesse um amigo do marido? Mas não teve coragem de ir tão longe);

b) comprar uma casa para a mãe (desculpa igual a sua, que parecia nobre, mas era a mais comum);

c) juntar dinheiro para a passagem de volta (colombianas, tailandesas, peruanas e brasileiras adoravam este motivo, embora já tivessem ganho muitas vezes o dinheiro, e logo se desfeito dele, com medo de realizar o sonho);

d) prazer (não combinava muito com o ambiente, soava falso);

e) não tinham conseguido fazer mais nada (também não era uma boa razão, a Suíça estava cheia de empregos de faxineira, motorista, cozinheira).

Enfim, não descobriu nenhum bom motivo, e parou de tentar explicar o universo ao seu redor.

Viu que o proprietário, Milan, tinha razão: nunca mais tinham lhe oferecido mil francos suíços para passar algumas horas com ela. Por outro lado, ninguém reclamava quando pedia trezentos e cinqüenta francos, como se já soubessem, e perguntas sem apenas para humilhar - ou para não terem surpresas desagradáveis.

Uma das meninas comentou:

- A prostituição é um negócio diferente dos outros: quem começa ganha mais, quem tem experiência ganha menos. Finja sempre que é uma iniciante.



Ainda não sabia o que eram os "clientes especiais", assunto apenas mencionado na primeira noite - ninguém tocava neste assunto. Aos poucos foi aprendendo alguns dos truques mais importantes da profissão, como nunca perguntar pela vida pessoal, sorrir e falar o mínimo possível, não marcar jamais encontros fora da boate. O conselho mais importante veio de uma filipina chamada Nyah:

- Você deve gemer na hora do orgasmo. Isso faz com que o cliente permaneça fiel a você.

- Mas por quê? Eles estão pagando para se satisfazer.

- Você está enganada. Um homem não prova que é macho quando tem uma ereção.

Ele é macho se é capaz de dar prazer a uma mulher. Se for capaz de dar prazer a uma prostituta então ele vai se julgar o melhor de todos.

Assim se passaram seis meses: Maria aprendeu todas as lições de que precisava -

como, por exemplo, o funcionamento do Copacabana. Sendo um dos lugares mais caros da Rue de Berne, a clientela era composta em sua maioria de executivos, que tinham permissão de chegar tarde em casa, já que estavam "janta ndo fora com clientes", mas o limite para estes "jantares" não devia ultrapassar as 23:00h. A maioria das prostitutas tinha entre dezoito e vinte e dois anos, e ficavam em média dois anos na casa, logo sendo substituídas por outras recém-chegadas. Iam então para o Néon, logo para o Xenium e, à medida que a idade da mulher aumentava, o preço descia, e as horas de trabalho se evaporavam. Terminavam quase todas no Tropical Extasy, que aceitava mulheres com mais de trinta anos. Uma vez ali, no entanto, a única saída era sustentar-se arranjando o suficiente para o almoço e o aluguel com um ou dois estudantes por dia (média de preço por programa: o suficiente para comprar uma garrafa de vinho barato).

Foi para a cama com muitos homens. Jamais se importava com a id ade, ou com as roupas que usavam, mas o seu "sim" ou "não" dependia do cheiro que exalavam. Nada tinha contra o cigarro, mas detestava os homens que usavam perfumes baratos, os que não tomavam banho e os que tinham as roupas impregnadas de bebida. O Copacabana era um lugar tranqüilo, e a Suíça talvez fosse o melhor país do mundo para se trabalhar como prostituta - desde que tivesse permissão de residência e trabalho, papéis em dia, e pagasse o seguro social religiosamente; Milan vivia repetindo que não desejava que seus filhos o vissem nas páginas de jornais sensacionalistas, e conseguia ser mais rígido que um policial quando se tratava de verificar a situação de suas contratadas.

Enfim, uma vez vencida a barreira da primeira ou da segunda noite, era uma profissão como qualquer outra, onde se trabalhava duro, lutava-se contra a concorrência, esforçava-se para manter um padrão de qualidade, cumpriam-se horários, estressava-se um pouco, reclamava -se do movimento e descansava-se aos domingos. A maior parte das prostitutas tinha algum tipo de fé e freqüentava seus cultos, suas missas, fazia suas preces, e tinha seus encontros com Deus.

Maria, porém, lutava com as páginas do seu diário para não perder sua alma.

Descobriu, para sua surpresa, que um em cada cinco clientes não estava lá para fazer amor, mas para conversar um pouco. Pagavam o preço da tabela, o hotel, e na hora de tirar a roupa diziam que não era necessário. Queriam falar das pressões do trabalho, da mulher que os traía com alguém, do fato de se sentirem sozinhos, sem ter com quem conversar (ela conhecia bem esta situação).

No início, achou muito estranho. Até que um dia, quando ia para o hotel com um importante francês, encarregado de caçar talentos para altos cargos executivos (ele lhe explicava isso como se fosse a coisa mais interessante do mundo), ouviu do seu cliente o seguinte comentário:

- Sabe quem é a pessoa mais solitária do mundo? É o executivo que tem uma carreira bem-sucedida, ganha um altíssimo salário, recebe a confiança de quem está acima e abaixo dele, tem uma família com quem passa as férias, filhos a quem ajuda nos deveres escolares, e que num belo dia recebe a visita de um tipo como eu, com a seguinte proposta: "Você quer mudar de emprego, ganhando o dobro?"

"Esse homem, que tem tudo para sentir-se desejado e feliz, torna-se a pessoa mais miserável do planeta. Por quê? Porque não tem com quem conversar. Está tentado a aceitar minha proposta, e não pode comentá-la com os colegas do trabalho, pois estes fariam de tudo para convencê- lo a ficar onde está. Não pode falar com a mulher, que durante anos acompanhou sua carreira vitoriosa, entende muito de segurança, mas não entende de riscos.

Não pode falar com ninguém, e está diante da grande decisão da sua vida. Você pode imaginar o que sente este homem?"

Não, não era essa a pessoa mais solitária do mundo, porque Maria conhecia a pessoa mais sozinha da face da terra: ela mesma. Mesmo assim, concordou com seu cliente, na esperança de uma boa gorjeta - que veio. E a partir daquele comentário, entendeu que precisava descobrir algo para liberar seus clientes da pressão enorme que pareciam carregar; isso significaria uma melhora na qualidade dos seus serviços, e uma possibilidade de dinheiro extra.

Quando entendeu que liberar a tensão da alma era tão ou mais lucrativo do que liberar a tensão do corpo, voltou a freqüentar a biblioteca. Começou a pedir livros sobre problemas conjugais, psicologia, política, e a bibliotecária estava encantada - porque a menina pela qual tinha tanto carinho desistira de ficar pensando em sexo e agora se concentrava em coisas mais importantes. Passou a ler regularmente os jornais, acompanhando, sempre que possível, as páginas de economia - já que a maior parte dos seus clientes eram executivos.

Pediu livros de auto-ajuda - pois quase todos lhe pediam conselhos. Estudou tratados sobre a emoção humana - uma vez que todos sofriam, por uma razão ou por outra. Maria era uma prostituta respeitável, diferente, e ao final de seis meses de trabalho, tinha uma clientela seleta, grande, e fiel, e despertava a inveja, o ciúme, mas também a admiração das companheiras.

Quanto ao sexo, até aquele momento nada tinha acrescentado a sua vida: era abrir as pernas, exigir que colocassem um preservativo, gemer um pouco para aumentar a possibilidade de uma gorjeta (graças à filipina Nyah ela descobrira que os gemidos podiam render cinqüenta francos a mais), e tomar uma ducha logo após a relação, de modo que a água lavasse um pouco a sua alma. Nada de variações. Nada de beijo - o beijo, para uma prostituta, era mais sagrado que qualquer outra coisa. Nyah lhe ensinara que devia conservar o beijo para o amado da sua vida, como no conto da Bela Adormecida; um beijo que a faria despertar do sono e voltar ao mundo do conto de fadas, no qual a Suíça se transformava de novo no país do chocolate, das vacas e dos relógios.

Também nada de orgasmos, prazer, ou coisas excitantes. Na busca para ser a melhor de todas, Maria andara assistindo a algumas sessões de filmes pornográficos, esperando aprender algo que pud esse usar no seu trabalho. Tinha visto muita coisa interessante, mas que não se animava a praticar com os seus clientes - demoravam muito, e Milan sempre ficava contente quando as mulheres se encontravam com três pessoas por noite.

No final do semestre, Maria tinha colocado sessenta mil francos no banco, passara a comer em restaurantes mais caros, comprara uma TV (que nunca usava, mas que gostava de ter perto) e agora considerava seriamente a possibilidade de mudar para um apartamento melhor. Já podia comprar livros, mas continuava a freqüentar a biblioteca, que era sua ponte para o mundo real, mais sólido e mais duradouro. Gostava de conversar com a bibliotecária, que estava feliz porque Maria finalmente arranjara um amor, e talvez um emprego, embora não perguntasse nada, já que os suíços são tímidos e discretos (verdadeira mentira, porque no Copacabana e na cama eram desinibidos, alegres ou complexados como qualquer outro povo do mundo).

 

Do diário de Maria, em uma tarde morna de domingo:

Todos os homens, baixos ou altos, arrogantes ou tímidos, simpáticos ou distantes, têm uma característica em comum: chegam à boate com medo. Os mais experientes escondem seu pavor falando alto, os inibidos não conseguem disfarçar e começam a beber para ver se a sensação vai embora. Mas não tenho dúvida, com raríssimas exceções - e estes são os

"clientes especiais", que Milan ainda não me apresentou - eles estão assustados.

Com medo de quê? Na verdade, sou eu quem devia estar tremendo. Sou eu quem sai, vai para um lugar estranho, não tenho força física, não carrego armas. Os homens são muito estranhos, e não estou falando apenas daqueles que vêm até o Copacabana, mas de todos que conheci até hoje. Podem bater, podem gritar, podem ameaçar, mas morrem de medo de uma mulher. Talvez não daquela com quem se casaram, mas sempre existe uma que os assusta e os submete a todos os seus capachos. Nem que seja a própria mãe.

A homens que conhecera desde que chegara em Genève faziam de tudo para parecerem seguros de si, como se governassem o mundo e suas próprias vidas; Maria, porém, via nos olhos de cada um o terror da esposa, o pânico de não conseguir ter uma ereção, de não serem machos o suficiente nem diante de uma simples prostituta, a quem estavam pagando. Se fossem a uma loja e não lhes agradasse o calçado, seriam capazes de voltar com o recibo na mão e exigir o reembolso. Entretanto, embora também estivessem pagando por uma companhia, se não tivessem uma ereção, jamais voltariam à mesma boate, porque achavam que a história teria se espalhado entre todas as outras mulheres; seria uma vergonha.

"Sou eu quem devia ter vergonha por não conseguir excitar um homem. Mas, na verdade, são eles que têm."

Para evitar estes constrangimentos, Maria procurava deixá-los sempre à vontade, e quando algum deles parecia mais bêbado ou mais frágil que o normal, evitava o sexo e concentrava-se apenas em carícias e masturbação - o que os deixava muito contentes - por mais absurdo que parecesse esta situação, já que podiam masturbar-se sozinhos.

Era preciso sempre evitar que ficassem envergonhados. Aqueles homens, tão poderosos e arrogantes em seu trabalho, onde lidavam sem parar com empregados, clientes, fornecedores, preconceitos, segredos, atitudes falsas, hipocrisia, medo, opressão, terminavam o dia em uma boate, e não se importavam em pagar trezentos e cinqüenta francos suíços para deixarem de ser eles mesmos durante a noite.

"Durante a noite? Ora, Maria, você está exagerando. Na verdade, são quarenta e cinco minutos, e mesmo assim, se descontarmos tirar a roupa, ensaiar algum falso carinho, conversar alguma coisa óbvia, vestir a roupa, reduziremos este tempo para onze minutos de sexo propriamente dito."

Onze minutos. O mundo girava em torno de algo que demorava apenas onze minutos.

E por causa destes onze minutos em um dia de vinte e quatro horas (se levássemos em conta que todos fizessem amor com suas esposas, todos os dias, o que seria um absurdo e uma inverdade completa), eles se casavam, sustentavam a família, agüentavam o choro das crianças, se desmanchavam em explicações quando chegavam tarde em casa, olhavam dezenas, centenas de outras mulheres com quem gostariam de passear em torno do lago de Genève, compravam roupas caras para si mesmos, e roupas ainda mais caras para elas, pagavam prostitutas para compensar o que estava faltando, sustentava uma gigantesca indústria de cosméticos, dietas, ginástica, pornografia, poder - e quando se encontravam com outros homens, ao contrário do que dizia a lenda, jamais falavam de mulheres.

Conversavam sobre empregos, dinheiro e esporte.

Havia algo de muito errado com a civilização; e não era o desmatamento da Amazônia, a camada de ozônio, a morte dos pandas, o cigarro, os alimentos cancerígenos, a situação nas penitenciárias, como gritavam os jornais.

Era exatamente aquilo em que trabalhava: o sexo.

Entretanto, Maria não estava ali para salvar a humanidade, e sim para aumentar sua conta bancária, sobreviver por mais seis meses à solidão e à escolha que fizera, enviar regularmente a mesada para a sua mãe (que ficou muito contente ao saber que a ausência de dinheiro devia-se apenas ao correio suíço, que não funcionava tão bem como o correio brasileiro), comprar tudo que sempre sonhara e jamais tivera. Mudou-se para um apartamento muito melhor, com calefação central (embora o verão já tivesse chegado), e da sua janela podia ver uma igreja, um restaurante japonês, um supermercado e um simpático café, que costumava freqüentar para ler um pouco os jornais.

De resto, conforme prometera a si mesma, era só agüentar mais meio ano na rotina de sempre: Copacabana, aceita um drink, dançar, o que acha do Brasil, hotel, cobrar adiantado, conversar e saber tocar nos pontos exatos - tanto no corpo como na alma, principalmente na alma -, ajudar nos problemas íntimos, ser amiga por meia hora, da qual onze minutos serão gastos em abre perna, fecha perna, gemidos fingindo prazer. Obrigada, espero vê -lo na próxima semana, você é realmente um homem, vou ouvir o resto da história na próxima vez que nos encontrarmos, excelente gorjeta, afinal não precisava porque tive muito prazer em estar com você.

E, sobretudo, jamais se apaixonar. Este era o mais importante, o mais sensato de todos os conselhos que a brasileira lhe dera -antes de sumir, provavelmente porque se apaixonara.

Em dois meses de trabalho já tivera várias propostas de casamento, e pelo menos três eram muito sérias: o diretor de uma firma de contabilidade, o tal piloto com quem saíra na primeira noite, e o dono de uma loja especializada em canivetes e armas brancas. Os três lhe prometeram "tirá- la daquela vida" e dar-lhe uma casa decente, um futuro, talvez filhos e netos.

Tudo por apenas onze minutos por dia? Não era possível. Agora, depois de sua experiência no Copacabana, sabia que não era a única pessoa a sentir-se sozinha. E o ser humano pode tolerar uma semana de sede, duas semanas de fome, muitos anos sem teto, mas não pode tolerar a solidão. É a pior de todas as torturas, de todos os sofrimentos.

Aqueles homens, e os muitos outros que queriam sua companhia, sofriam como ela este sentimento destruidor - a sensação de que ninguém nesta terra se importava com eles.

Para evitar tentações do amor, seu coração estava apenas em seu diário. Entrava no Copacabana apenas com seu corpo e seu cérebro, cada vez mais perceptivo, mais afiado.

Conseguira convencer-se de que chegara a Genève e terminara na Rue de Berne por alguma razão maior, e cada vez que alugava um livro na biblioteca, confirmava: ninguém escrevera direito sobre estes onze minutos mais importantes do dia. Talvez fosse esse o seu destino, por mais duro que pudesse parecer no momento: escrever um livro, contar sua história, sua aventura.

Isso, aventura. Embora fosse uma palavra proibida, que ninguém ousava pronunciar, que a maior parte preferia ver na televisão, em filmes que passavam e repassavam nas mais diversas horas do dia, era isso que ela buscava. Combinava com desertos, com viagens para lugares desconhecidos, com homens misteriosos puxando conversa em um barco no meio do rio, com aviões, estúdios de cinema, tribos de índio, geleiras, África.

Gostou da idéia do livro, e chegou a pensar no título: Onze minutos.

Começou a classificar os clientes em três tipos: os Exterminadores (nome dado em homenagem a um filme do qual gostara muito), que já entravam cheirando a bebida, fingindo que não olhavam para ninguém, mas achando que todos estavam olhando para eles, dançando pouco e indo direto ao assunto do hotel. Os Pretty Woman (também por causa de um filme), que procuravam ser elegantes, gentis, carinhosos, como se o mundo dependesse daquele tipo de bondade para voltar ao seu eixo, como se estivessem caminhando pela rua e entrassem por acaso na boate; eram doces no início, e inseguros quando chegavam ao hotel, e por causa disso terminavam sendo mais exigentes que os Exterminadores. Fina lmente, os Poderosos Chefões (também por causa de um filme), que tratavam o corpo de uma mulher como se trata uma mercadoria. Eram os mais autênticos, dançavam, conversavam, não deixavam gorjeta, sabiam o que estavam comprando e quanto valia, jamais se deixariam levar pela conversa de qualquer mulher que escolhessem. Esses eram os únicos que, de uma maneira muito sutil, conheciam o significado da palavra aventura.

 

Do diário de Maria, em um dia em que estava menstruada e não podia trabalhar: Se eu tivesse que contar hoje minha vida para alguém, poderia fazê-lo de tal maneira que iriam me achar uma mulher independente, corajosa e feliz. Nada disso: estou proibida de mencionar a única palavra que é muito mais importante que os onze minutos - amor.

Durante toda a minha vida, entendi o amor como uma espécie de escravidão consentida. É mentira: a liberdade só existe quando ele está presente. Quem se entrega totalmente, quem se sente livre, ama o máximo.

E quem ama o máximo sente-se livre.

Por causa disso, apesar de tudo que posso viver, fazer, descobrir, nada tem sentido.

Espero que este tempo passe rápido, para que eu possa voltar à busca de mim mesma -

refletida em um homem que me entenda, que não me faça sofrer.

Mas que bobagem é essa que estou dizendo? No amor, ninguém pode machucar ninguém; cada um de nós é responsável por aquilo que sente, e não podemos culpar o outro por isso.

Já me senti ferida quando perdi os homens pelos quais me apaixonei. Hoje estou convencida de que ninguém perde ninguém, porque ninguém possui ninguém.

Essa é a verdadeira experiência da liberdade: ter a coisa mais importante do mundo, sem possuí- la.

Mais três meses se passaram, o outono chegou, chegou também finalmente a data marcada no calendário: noventa dias para a viagem de volta. Tudo passara tão rápido e tão lentamente, pensou ela, descobrindo que o tempo corre em duas dimensões diferentes, dependendo do seu estado de espírito, mas em ambos os casos a sua aventura estava chegando ao final. Poderia continuar, é claro, mas não se esquecia do sorriso triste da mulher invisível que a acompanhara pelo passeio em volta do lago, dizendo que as coisas não eram tão simples assim. Por mais que estivesse tentada a continuar, por mais preparada que estivesse para os desafios que tinham surgido em seu caminho, todos estes meses convivendo apenas consigo mesma tinham lhe ensinado que existe um momento certo de interromper tudo. Dali a noventa dias voltaria para o interior do Brasil, compraria uma pequena fazenda (afinal, ganhara mais do que o esperado), algumas vacas (brasileiras, não suíças), convidaria seu pai e sua mãe para morarem com ela, contrataria dois empregados, e colocaria a empresa para funcionar.

Embora achasse que o amor é a verdadeira experiência da liberdade, e que ninguém pode possuir outra pessoa, ainda alimentava seus secretos desejos de vingança, e deles fazia parte seu retorno triunfal ao Brasil. Depois de montar sua fazenda, iria até a cidade, passaria em frente ao banco onde trabalhava o menino que havia saído com sua melhor amiga, e faria um grande depósito em dinheiro.

 

"Olá, como vai, você não me reconhece?", ele perguntaria. Ela fingiria um grande esforço de memória e terminaria dizendo que não, que passara um ano inteiro na EU-RO-PA (pronunciar bem devagar, para que todos os seus colegas escutem). Melhor dizendo, na SU-Í-ÇA (ia soar mais exótico e mais aventureiro do que França), onde existem os melhores bancos do mundo.

Quem era ele? Ele mencionaria os tempos de colégio. Ela diria, "Ah...! acho que me lembro", mas fazendo uma cara de quem não se lembrava. Pronto, a vingança estava consumada. Agora era trabalhar mais, e quando o negócio já estivesse andando como previa, ela poderia se dedicar àquilo que mais lhe importava na vida: descobrir seu verdadeiro amor, o homem que a esperara por todos aqueles anos, mas que ela ainda não tivera a oportunidade de conhecer.

Maria resolveu esquecer para sempre a idéia de escrever um livro com o título de Onze minutos. Precisava agora se concentrar na fazenda, nos planos para o futuro, ou terminaria adiando sua viagem, um risco fatal.

Naquela tarde, saiu para encontrar-se com sua melhor - e única - amiga, a bibliotecária. Pediu um livro sobre pecuária e administração de fazendas. A bibliotecária lhe confessou:

- Sabe, há alguns meses, quando você veio aqui em busca de títulos sobre sexo, eu cheguei a temer por seu destino. Afinal de contas, muitas moças bonitas se deixam levar pela ilusão do dinheiro fácil, e se esquecem de que um dia serão velhas, e já não terão oportunidade de encontrar o homem de suas vidas.

- Você está falando de prostituição?

- Uma palavra muito forte.

- Como já disse, trabalho em uma empresa de importação e exportação de carne.

Entretanto, se tivesse a oportunidade de me prostituir, as conseqüências seriam tão graves se parasse na hora certa? Afinal de contas, ser jovem também significa fazer coisas erradas.

- Todos os drogados dizem isso; basta saber a hora de parar. E ninguém pára.

- A senhora deve ter sido uma mulher muito bonita, nascida em um país que respeita seus habitantes. Isso lhe bastou para que se sentisse feliz?

- Tenho orgulho de como superei meus obstáculos.

Deveria continuar a história? Bem, aquela menina precisava aprender algo sobre a vida.

- Tive uma infância feliz, estudei em uma das melhores escolas de Berne, vim trabalhar em Genève, encontrei e casei- me com o homem que amava. Fiz tudo por ele, ele também fez tudo por mim, o tempo passou, e veio a aposentadoria. Quando ficou livre para usar o seu tempo com tudo que tinha vontade, seus olhos ficaram mais tristes - porque talvez, em toda a sua vida, jamais pensou em si mesmo. Nunca brigamos seriamente, não tivemos grandes emoções, ele jamais me traiu ou me desrespeitou em público. Vivemos uma vida normal, mas tão normal, que sem trabalho ele sentiu-se inútil, sem importância, e morreu um ano depois, de câncer.

Estava falando a verdade, mas podia influenciar de maneira negativa a menina à sua frente.

- Seja como for, é melhor uma vida sem surpresas - concluiu. - Talvez meu marido tivesse morrido antes, se não fosse assim.

Maria saiu decidida a pesquisar sobre fazendas. Como tinha a tarde livre, resolveu passear um pouco, e terminou notando, na parte alta da cidade, uma pequena placa amarela com um sol e uma inscrição: "Caminho de Santiago." O que era aquilo? Como havia um bar do outro lado da rua, e como havia aprendido a perguntar tudo o que não sabia, resolveu entrar e informar-se.

- Não tenho idéia - disse a moça detrás do balcão.

Era um lugar elegante, e o café custava três vezes mais do que o normal. Mas já que tinha dinheiro, e já que estava ali, pediu um café e resolveu dedicar as próximas horas a aprender tudo sobre administração de fazendas. Abriu o livro com entusiasmo, mas não conseguiu concentrar-se na leitura - era aborrecidíssima. Seria muito mais interessante conversar com um dos seus fregueses a respeito do tema - eles sempre sabiam a melhor maneira de administrar o dinheiro. Pagou o café, levantou-se, agradeceu a moça que a serviu, deixou uma boa gorjeta (havia criado uma superstição a respeito, se desse muito receberia também muito), caminhou em direção à porta, e, sem dar-se conta da importância daquele momento, escutou a frase que mudaria para sempre os seus planos, seu futuro, sua fazenda, sua idéia de felicidade, sua alma de mulher, sua atitude de homem, seu lugar no mundo.


Date: 2015-12-17; view: 716


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